"STF fixa novos parâmetros para a judicialização da saúde", do juiz federal e coautor do livro
“Direito à saúde: análise à luz da judicialização”
Clenio Jair Schulze.
Ele também foi juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça - CNJ (2013/2014) e é mestre e doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
Conheça a seguir os novos parâmetros a respeito do fornecimento judicial de medicamentos e tecnologias em saúde.
Artigo
Juiz Federal Clenio Jair Schulze
No julgamento da medida cautelar da Ação Direita de Inconstitucionalidade 5501, em 19/05/2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou novos parâmetros para a judicialização da saúde.
A Corte suspendeu os efeitos da Lei 13.269/2016 (que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética para pacientes diagnosticados com neoplasia maligna).
Os principais fundamentos invocados pelo Supremo alteram consideravelmente o panorama da judicialização.
Em resumo, estes foram os pontos que assentaram a decisão:
1) Não é mais possível o fornecimento judicial de medicamentos e tecnologias em saúde que estejam destituídos da comprovada segurança.
Sobre isso, o Corte afirmou o seguinte: “[...] ao dever de fornecer medicamento à população contrapõe-se a responsabilidade constitucional de zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação no território nacional, ou seja, a atuação proibitiva do Poder Público, no sentido de impedir o acesso a determinadas substâncias”.
2) Deve-se investigar de forma exauriente as melhores práticas de evidência científica.
Ou, conforme consta da decisão: “[...] a busca pela cura de enfermidades não pode se desvincular do correspondente cuidado com a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico”.
3) Não se pode fornecer medicamento sem a prévia análise dos órgãos sanitários de controle. Conforme afirmou o STF, não é “[...] permitida a distribuição do remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária [...]”
e ainda “[...] a aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais
(Lei 6.360/1976, art. 12).
O registro é condição para o monitoramento da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto, sem o qual a inadequação é presumida”.
4) Não se inclui no conteúdo do direito à saúde previsto no art. 196 da Constituição a pretensão de recebimento de tecnologias destituídas de segurança, de eficácia e de qualidade terapêutica.
Nas palavras da Corte:
""A lei em debate [cuja eficácia foi suspensa] é casuística ao dispensar o registro do medicamento como requisito para sua comercialização, e esvazia, por via transversa, o conteúdo do direito fundamental à saúde.”
5) Não cabe ao Poder Legislativo fixar normas casuísticas sem participação e autorização dos órgãos do Poder Executivo (Ministério da Saúde, Anvisa etc.), sob pena de violação ao art. 2º da Constituição.
Ou seja: “O Tribunal vislumbrou, na publicação do diploma impugnado, ofensa à separação de Poderes.
Ocorre que incumbe ao Estado, de modo geral, o dever de zelar pela saúde da população. Entretanto, fora criado órgão técnico, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde (Anvisa), à qual incumbe o dever de autorizar e controlar a distribuição de substâncias químicas segundo protocolos cientificamente validados.
A atividade fiscalizatória (CF, art. 174) é realizada mediante atos administrativos concretos devidamente precedidos de estudos técnicos.
Não cabe ao Congresso, portanto, viabilizar, por ato abstrato e genérico, a distribuição de qualquer medicamento.
6) Para a concessão de medicamentos e de outras tecnologias em saúde é indispensável a avaliação dos estudos clínicos e que estes demonstrem a eficácia, eficiência e efetividade do produto.
Conforme assentou o STF: “[...] é temerária a liberação da substância em discussão sem os estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência, até o momento, de elementos técnicos assertivos da viabilidade do medicamento para o bem-estar do organismo humano.”
É importante afirmar que os fundamentos da decisão do STF configuram ratio decidendi e não apenas obiter dictum, razão pela qual vinculam todos os juízes e Tribunais do Brasil, diante da sua eficácia vinculante, nos termos do art. 11, § 1º, da Lei 9868/99.
Vale dizer, também, que se trata de decisão que inaugura uma nova fase no enfrentamento do fenômeno da judicialização da saúde, em razão da superação do entendimento que admitia o fornecimento de medicamentos e tecnologias experimentais, sem registro na Anvisa ou destituídos das melhores práticas de evidência científica.
Espera-se, a partir deste julgamento do STF, maior controle nas demandas temerárias e maior racionalização das decisões judiciais sobre o tema, sempre com o fim de resguardar adequadamente o núcleo essencial do direito à saúde.
Referências
1 - Informativo STF n. 826, de 16 a 20 de maio de 2016. Disponível em:. Acesso em: 30 maio 2016.
*Clenio Jair Schulze é juiz federal, foi juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça - CNJ (2013/2014), é mestre e doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e coautor do livro
“Direito à saúde: análise à luz da judicialização”.
“Direito à saúde: análise à luz da judicialização”
Clenio Jair Schulze.
Ele também foi juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça - CNJ (2013/2014) e é mestre e doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
Conheça a seguir os novos parâmetros a respeito do fornecimento judicial de medicamentos e tecnologias em saúde.
Artigo
Juiz Federal Clenio Jair Schulze
No julgamento da medida cautelar da Ação Direita de Inconstitucionalidade 5501, em 19/05/2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou novos parâmetros para a judicialização da saúde.
A Corte suspendeu os efeitos da Lei 13.269/2016 (que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética para pacientes diagnosticados com neoplasia maligna).
Os principais fundamentos invocados pelo Supremo alteram consideravelmente o panorama da judicialização.
Em resumo, estes foram os pontos que assentaram a decisão:
1) Não é mais possível o fornecimento judicial de medicamentos e tecnologias em saúde que estejam destituídos da comprovada segurança.
Sobre isso, o Corte afirmou o seguinte: “[...] ao dever de fornecer medicamento à população contrapõe-se a responsabilidade constitucional de zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação no território nacional, ou seja, a atuação proibitiva do Poder Público, no sentido de impedir o acesso a determinadas substâncias”.
2) Deve-se investigar de forma exauriente as melhores práticas de evidência científica.
Ou, conforme consta da decisão: “[...] a busca pela cura de enfermidades não pode se desvincular do correspondente cuidado com a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico”.
3) Não se pode fornecer medicamento sem a prévia análise dos órgãos sanitários de controle. Conforme afirmou o STF, não é “[...] permitida a distribuição do remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária [...]”
e ainda “[...] a aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais
(Lei 6.360/1976, art. 12).
O registro é condição para o monitoramento da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto, sem o qual a inadequação é presumida”.
4) Não se inclui no conteúdo do direito à saúde previsto no art. 196 da Constituição a pretensão de recebimento de tecnologias destituídas de segurança, de eficácia e de qualidade terapêutica.
Nas palavras da Corte:
""A lei em debate [cuja eficácia foi suspensa] é casuística ao dispensar o registro do medicamento como requisito para sua comercialização, e esvazia, por via transversa, o conteúdo do direito fundamental à saúde.”
5) Não cabe ao Poder Legislativo fixar normas casuísticas sem participação e autorização dos órgãos do Poder Executivo (Ministério da Saúde, Anvisa etc.), sob pena de violação ao art. 2º da Constituição.
Ou seja: “O Tribunal vislumbrou, na publicação do diploma impugnado, ofensa à separação de Poderes.
Ocorre que incumbe ao Estado, de modo geral, o dever de zelar pela saúde da população. Entretanto, fora criado órgão técnico, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde (Anvisa), à qual incumbe o dever de autorizar e controlar a distribuição de substâncias químicas segundo protocolos cientificamente validados.
A atividade fiscalizatória (CF, art. 174) é realizada mediante atos administrativos concretos devidamente precedidos de estudos técnicos.
Não cabe ao Congresso, portanto, viabilizar, por ato abstrato e genérico, a distribuição de qualquer medicamento.
6) Para a concessão de medicamentos e de outras tecnologias em saúde é indispensável a avaliação dos estudos clínicos e que estes demonstrem a eficácia, eficiência e efetividade do produto.
Conforme assentou o STF: “[...] é temerária a liberação da substância em discussão sem os estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência, até o momento, de elementos técnicos assertivos da viabilidade do medicamento para o bem-estar do organismo humano.”
É importante afirmar que os fundamentos da decisão do STF configuram ratio decidendi e não apenas obiter dictum, razão pela qual vinculam todos os juízes e Tribunais do Brasil, diante da sua eficácia vinculante, nos termos do art. 11, § 1º, da Lei 9868/99.
Vale dizer, também, que se trata de decisão que inaugura uma nova fase no enfrentamento do fenômeno da judicialização da saúde, em razão da superação do entendimento que admitia o fornecimento de medicamentos e tecnologias experimentais, sem registro na Anvisa ou destituídos das melhores práticas de evidência científica.
Espera-se, a partir deste julgamento do STF, maior controle nas demandas temerárias e maior racionalização das decisões judiciais sobre o tema, sempre com o fim de resguardar adequadamente o núcleo essencial do direito à saúde.
Referências
1 - Informativo STF n. 826, de 16 a 20 de maio de 2016. Disponível em:
*Clenio Jair Schulze é juiz federal, foi juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça - CNJ (2013/2014), é mestre e doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e coautor do livro
“Direito à saúde: análise à luz da judicialização”.
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