*** Fax Sindical *** 04/02/2013
Correspondência Sindical - Circular.
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Sobre o drama do crack, sua gravidade e desdobramentos
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Sindicato dos Médicos de Juiz de Fora e Zona da Mata de MG
Data: 04 de janeiro de 2013
Quando a sociedade se incomoda e debate a enorme difusão do consumo de crack no Brasil e as suas consequências terríveis e amplas, na vida de tantas famílias, a internação involuntária, executada sob determinação judicial, é trazida à discussão.
Pontos de vista extremos são colocados por meio de declarações divulgadas das mais diferentes formas. Em um extremo encontramos aqueles que fazem declarações e buscam apoios para nunca se internar compulsoriamente. Essas declarações encontram respaldo até em autarquias públicas, como o Conselho Federal de Psicologia. Em outro extremo há defensores de sempre se internar de forma compulsória, opinião que tem adeptos entre autoridades, familiares de dependentes químicos e até dependentes que foram tratados de forma compulsória. Entre os dois extremos há posições intermediárias, inclusive a dos defensores do status quo atual, pelo qual é possível determinar a obrigação de fazer uma internação por meio de decisão judicial. Essas declarações são, por diferentes meios, postas no debate.
Em meio ao debate é conveniente destacar o que tem sido (ou não tem sido) feito pelo Ministério da Saúde. A ação do Ministério da Saúde parece invisível, dando à opinião pública a impressão de descaso e negligência. No discurso, vemos personagens da cúpula ministerial repetindo à exaustão o mantra de que é preciso ter CAPS em toda parte para atender a essa demanda tão visível e solicitada. Na prática vemos a rede de CAPS totalmente desprovida de meios para enfrentar a missão que o Ministério lhe atribui. Há precarização de mão de obra, por meio de terceirizações irregulares (até cooperativas, afrontando a CLT), uso de contratos provisórios, falta de concursos públicos, equipamentos físicos inadequados, falta de serviços de apoio e retaguarda e toda uma série de queixas que quem trabalha nessas instituições sabe muito bem.
Aqui publicamos duas matérias interessantes que vêm acrescentar mais um passo nessa discussão e no entendimento dessa realidade. A primeira é um artigo do psiquiatra e professor de Psiquiatria Dr. Antonio Geraldo, profissional competente e atuante no ensino, na clínica e nos movimentos sindical e associativo. O artigo do professor Antonio Geraldo chama-se "O crack e o Poder Público. A segunda uma reportagem que descreve como as internações compulsórias têm ocorrido nas clínicas privadas, cada vez mais procuradas diante das dificuldades de acesso, conhecidas e reconhecidas, aos serviços públicos de saúde mental. O título da matéria é "Internação involuntária lidera em clínica 'top' de São Paulo". Vale a pena ler as duas.
O crack e o poder público
Rio - O Governo de São Paulo dominou o noticiário nos últimos dias liderando uma cruzada pela internação compulsória de dependentes de crack que vivem nas ruas. A intenção é boa, e a iniciativa explicita o interesse do poder público estadual em resolver a questão.
Há uma necessidade premente de que as autoridades se responsabilizem pelos doentes mentais. O débito do governo federal junto à população é enorme. Na maioria das vezes, o dependente de crack é padecente de algum transtorno mental e carece de atendimento médico, antes de qualquer coisa.
Há uma enormidade de moradores de rua portadores de esquizofrenia, bipolaridade ou psicoses de uma maneira geral e que não têm acesso a nenhum tratamento, lamentável consequência do fechamento de leitos hospitalares em psiquiatria, na contramão do bom-senso: qualificar profissionais e oferecer melhores condições de atendimento a todos. Se assim fosse, a internação compulsória seria apenas o início de um plano de tratamento muito mais complexo.
Se a internação involuntária for apenas o início de um processo de tratamento para aqueles que precisam de atendimento e não tem, a iniciativa do governo está correta. Caso contrário, a iniciativa não passa de uma ‘limpeza urbana’. Contudo, vale ressaltar que a internação requer indicação médica.
A Associação Brasileira de Psiquiatria já se colocou à disposição do governo federal para tratar do assunto de forma gratuita e do ponto de vista científico, e não ideológico. Não cabe aos médicos ficar contra ou a favor a qualquer tipo de internação. Como médicos, nosso papel é indicar a internação quando necessária e, a partir daí, buscarmos o melhor tratamento. A meta de qualquer governo deve ser acompanhamento pleno de dependentes químicos, pelo tempo que precisarem.
Antonio Geraldo da Silva
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria
Publicado no Jornal "O Dia" do Rio de Janeiro. Versão online disponível em:
http://odia.ig.com.br/portal/opiniao/antonio-geraldo-da-silva-o-crack-e-o-poder-p%C3%BAblico-1.543377
03/02/2013 - 05h00
Internação involuntária lidera em clínica 'top' de São Paulo
DE SÃO PAULO
O vício sempre levou Paulo (nome fictício), 34, aos extremos. Uma overdose quase o levou à morte há quatro anos.
Fazendeiro internado em SP vendia gado de dia e fumava crack à noite
Fila em plantão judicial para internação demora até cinco horas
Em outro teste de seus limites, recebeu uma mala com 1.500 comprimidos de ecstasy num aeroporto, que seriam distribuídos em São Paulo. Nunca foi preso.
Foi internado duas vezes. Na primeira delas, foi à clínica Greenwood, em Itapecerica da Serra (Grande São Paulo), contra a vontade. Um mês ali custa cerca de R$ 30 mil.
Esse tipo de internação acontece em 90% dos casos, segundo o diretor do estabelecimento, Cirilo Tissot. Ele explica que mesmo os que entram por vontade própria passam posteriormente pela fase de negação. "É quando o dependente diz: 'gostei da clínica, mas agora quero sair'."
Nas internações, que duram até um ano e meio, antes da total aceitação do tratamento, os internos vivem também um período de depressão. "Isso acontece quando eles se dão conta de que não poderão nunca mais fazer aquilo que eles gostam, no caso, usar a droga."
Após o fim da internação, na unidade de Itapecerica, os pacientes iniciam um tratamento ambulatorial, com visitas à unidade chamada de hospital-dia, na capital paulista. Ali, os pacientes passam por consultas periódicas.
Há um ano e dez meses internado em Itapecerica, Paulo não usa crack, mas é viciado em cocaína e, por quase dois anos, consumiu um comprimido de ecstasy por dia.
Formado em sistemas de informação pelo Mackenzie, o jovem estudou no colégio Santa Cruz "a vida toda". Cresceu no Alto de Pinheiros, zona oeste paulistana, na casa confortável do pai, um empresário.
Está na segunda internação. Na primeira, ficou por um ano e dez dias. "Fiquei mais dez meses limpo depois da internação, mas recaí em 2011. Tomei punhados de remédios sem prescrição e, depois, voltei a usar cocaína", lembra.
Antes da segunda passagem pela clínica, quebrou a empresa de investimentos que montou com amigos.
Também causou um desfalque "enorme" no negócio do pai. "Tinha carta branca para fazer investimentos da companhia, mas fiz uma operação errada e o rombo foi grande", disse. Foi nesse período que se acabou na cocaína.
DESCULPA PARA O VÍCIO
Em março de 2011, voltou a ser internado, agora por vontade própria.
"Comecei usando por curiosidade. Fiquei viciado e desenvolvi um estranho vício de querer me aproximar de bandidos", disse.
Ele afirma que uma desculpa para o vício é a doença da mãe, há doze anos em coma. "Eu contava a minha história até para os traficantes, para me vitimizar", conta.
Agora, três vezes por semana, ele passa o dia em sua casa, mas sempre acompanhado por uma pessoa designada pela clínica.
A artista plástica Juliana (nome fictício), 40, é uma das colegas de internação de Paulo. entrou ali por vontade própria. "Depois, me tornei involuntária. Ainda bem que minha família resistiu e eu fiquei", disse.
Moradora dos Jardins, ela diz que usava, em média, cinco gramas de cocaína por dia. Para manter o vício, roubava dinheiro do cofre do pai.
"Me drogo desde a adolescência". Nunca conseguiu ter emprego fixo nem terminou cursos universitários.
"Aos 40 anos, sou dependente dos meus pais."
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1225100-internacao-involuntaria-lidera-em-clinica-top-de-sao-paulo.shtml
Correspondência Sindical - Circular.
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Sobre o drama do crack, sua gravidade e desdobramentos
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Sindicato dos Médicos de Juiz de Fora e Zona da Mata de MG
Data: 04 de janeiro de 2013
Quando a sociedade se incomoda e debate a enorme difusão do consumo de crack no Brasil e as suas consequências terríveis e amplas, na vida de tantas famílias, a internação involuntária, executada sob determinação judicial, é trazida à discussão.
Pontos de vista extremos são colocados por meio de declarações divulgadas das mais diferentes formas. Em um extremo encontramos aqueles que fazem declarações e buscam apoios para nunca se internar compulsoriamente. Essas declarações encontram respaldo até em autarquias públicas, como o Conselho Federal de Psicologia. Em outro extremo há defensores de sempre se internar de forma compulsória, opinião que tem adeptos entre autoridades, familiares de dependentes químicos e até dependentes que foram tratados de forma compulsória. Entre os dois extremos há posições intermediárias, inclusive a dos defensores do status quo atual, pelo qual é possível determinar a obrigação de fazer uma internação por meio de decisão judicial. Essas declarações são, por diferentes meios, postas no debate.
Em meio ao debate é conveniente destacar o que tem sido (ou não tem sido) feito pelo Ministério da Saúde. A ação do Ministério da Saúde parece invisível, dando à opinião pública a impressão de descaso e negligência. No discurso, vemos personagens da cúpula ministerial repetindo à exaustão o mantra de que é preciso ter CAPS em toda parte para atender a essa demanda tão visível e solicitada. Na prática vemos a rede de CAPS totalmente desprovida de meios para enfrentar a missão que o Ministério lhe atribui. Há precarização de mão de obra, por meio de terceirizações irregulares (até cooperativas, afrontando a CLT), uso de contratos provisórios, falta de concursos públicos, equipamentos físicos inadequados, falta de serviços de apoio e retaguarda e toda uma série de queixas que quem trabalha nessas instituições sabe muito bem.
Aqui publicamos duas matérias interessantes que vêm acrescentar mais um passo nessa discussão e no entendimento dessa realidade. A primeira é um artigo do psiquiatra e professor de Psiquiatria Dr. Antonio Geraldo, profissional competente e atuante no ensino, na clínica e nos movimentos sindical e associativo. O artigo do professor Antonio Geraldo chama-se "O crack e o Poder Público. A segunda uma reportagem que descreve como as internações compulsórias têm ocorrido nas clínicas privadas, cada vez mais procuradas diante das dificuldades de acesso, conhecidas e reconhecidas, aos serviços públicos de saúde mental. O título da matéria é "Internação involuntária lidera em clínica 'top' de São Paulo". Vale a pena ler as duas.
O crack e o poder público
Rio - O Governo de São Paulo dominou o noticiário nos últimos dias liderando uma cruzada pela internação compulsória de dependentes de crack que vivem nas ruas. A intenção é boa, e a iniciativa explicita o interesse do poder público estadual em resolver a questão.
Há uma necessidade premente de que as autoridades se responsabilizem pelos doentes mentais. O débito do governo federal junto à população é enorme. Na maioria das vezes, o dependente de crack é padecente de algum transtorno mental e carece de atendimento médico, antes de qualquer coisa.
Há uma enormidade de moradores de rua portadores de esquizofrenia, bipolaridade ou psicoses de uma maneira geral e que não têm acesso a nenhum tratamento, lamentável consequência do fechamento de leitos hospitalares em psiquiatria, na contramão do bom-senso: qualificar profissionais e oferecer melhores condições de atendimento a todos. Se assim fosse, a internação compulsória seria apenas o início de um plano de tratamento muito mais complexo.
Se a internação involuntária for apenas o início de um processo de tratamento para aqueles que precisam de atendimento e não tem, a iniciativa do governo está correta. Caso contrário, a iniciativa não passa de uma ‘limpeza urbana’. Contudo, vale ressaltar que a internação requer indicação médica.
A Associação Brasileira de Psiquiatria já se colocou à disposição do governo federal para tratar do assunto de forma gratuita e do ponto de vista científico, e não ideológico. Não cabe aos médicos ficar contra ou a favor a qualquer tipo de internação. Como médicos, nosso papel é indicar a internação quando necessária e, a partir daí, buscarmos o melhor tratamento. A meta de qualquer governo deve ser acompanhamento pleno de dependentes químicos, pelo tempo que precisarem.
Antonio Geraldo da Silva
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria
Publicado no Jornal "O Dia" do Rio de Janeiro. Versão online disponível em:
http://odia.ig.com.br/portal/opiniao/antonio-geraldo-da-silva-o-crack-e-o-poder-p%C3%BAblico-1.543377
03/02/2013 - 05h00
Internação involuntária lidera em clínica 'top' de São Paulo
DE SÃO PAULO
O vício sempre levou Paulo (nome fictício), 34, aos extremos. Uma overdose quase o levou à morte há quatro anos.
Fazendeiro internado em SP vendia gado de dia e fumava crack à noite
Fila em plantão judicial para internação demora até cinco horas
Em outro teste de seus limites, recebeu uma mala com 1.500 comprimidos de ecstasy num aeroporto, que seriam distribuídos em São Paulo. Nunca foi preso.
Foi internado duas vezes. Na primeira delas, foi à clínica Greenwood, em Itapecerica da Serra (Grande São Paulo), contra a vontade. Um mês ali custa cerca de R$ 30 mil.
Esse tipo de internação acontece em 90% dos casos, segundo o diretor do estabelecimento, Cirilo Tissot. Ele explica que mesmo os que entram por vontade própria passam posteriormente pela fase de negação. "É quando o dependente diz: 'gostei da clínica, mas agora quero sair'."
Nas internações, que duram até um ano e meio, antes da total aceitação do tratamento, os internos vivem também um período de depressão. "Isso acontece quando eles se dão conta de que não poderão nunca mais fazer aquilo que eles gostam, no caso, usar a droga."
Após o fim da internação, na unidade de Itapecerica, os pacientes iniciam um tratamento ambulatorial, com visitas à unidade chamada de hospital-dia, na capital paulista. Ali, os pacientes passam por consultas periódicas.
Há um ano e dez meses internado em Itapecerica, Paulo não usa crack, mas é viciado em cocaína e, por quase dois anos, consumiu um comprimido de ecstasy por dia.
Formado em sistemas de informação pelo Mackenzie, o jovem estudou no colégio Santa Cruz "a vida toda". Cresceu no Alto de Pinheiros, zona oeste paulistana, na casa confortável do pai, um empresário.
Está na segunda internação. Na primeira, ficou por um ano e dez dias. "Fiquei mais dez meses limpo depois da internação, mas recaí em 2011. Tomei punhados de remédios sem prescrição e, depois, voltei a usar cocaína", lembra.
Antes da segunda passagem pela clínica, quebrou a empresa de investimentos que montou com amigos.
Também causou um desfalque "enorme" no negócio do pai. "Tinha carta branca para fazer investimentos da companhia, mas fiz uma operação errada e o rombo foi grande", disse. Foi nesse período que se acabou na cocaína.
DESCULPA PARA O VÍCIO
Em março de 2011, voltou a ser internado, agora por vontade própria.
"Comecei usando por curiosidade. Fiquei viciado e desenvolvi um estranho vício de querer me aproximar de bandidos", disse.
Ele afirma que uma desculpa para o vício é a doença da mãe, há doze anos em coma. "Eu contava a minha história até para os traficantes, para me vitimizar", conta.
Agora, três vezes por semana, ele passa o dia em sua casa, mas sempre acompanhado por uma pessoa designada pela clínica.
A artista plástica Juliana (nome fictício), 40, é uma das colegas de internação de Paulo. entrou ali por vontade própria. "Depois, me tornei involuntária. Ainda bem que minha família resistiu e eu fiquei", disse.
Moradora dos Jardins, ela diz que usava, em média, cinco gramas de cocaína por dia. Para manter o vício, roubava dinheiro do cofre do pai.
"Me drogo desde a adolescência". Nunca conseguiu ter emprego fixo nem terminou cursos universitários.
"Aos 40 anos, sou dependente dos meus pais."
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1225100-internacao-involuntaria-lidera-em-clinica-top-de-sao-paulo.shtml
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