Na tentativa de sanar a ausência de profissionais da área em zonas remotas do país, ministério estuda criar carreira típica de Estado, nos mesmos moldes de procuradores e auditores fiscais. Conselhos ressaltam a importância de critérios claros para remoçã
O Ministério da Saúde prepara uma ofensiva na intenção de atrair médicos para o interior do país depois que a última iniciativa nesse sentido — o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab) — não apresentou os resultados esperados. A pasta tenta, agora, viabilizar a criação de uma carreira aos moldes das carreiras típicas de Estado para os médicos, baseada no princípio da ascensão e na remuneração por subsídio, assim como as de procurador e de auditor fiscal. O que se discute atualmente é no âmbito da atenção básica, mas o plano é um embrião que pode ser ampliado aos demais níveis. Entretanto, uma das maiores dificuldades da proposta é adequá-la à realidade de cada unidade da Federação.
A proposta atende a uma solicitação antiga das entidades médicas de classe. O 1º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital, acredita que seria a melhor maneira de fixar médicos nas zonas mais remotas do país. “Foi assim que o Brasil conseguiu levar juízes para o interior do país. Antigamente, eles largavam seus postos e faziam concurso de caixa de banco público porque era uma carreira estatal e ganhava mais”, diz. O conselheiro do CFM, Waldir Cardoso, também afirma que a criação da carreira estimula os profissionais a enfrentarem os problemas do interior, como a falta de infraestrutura nos hospitais.
O ministério reforça que já existe uma carreira para médicos em algumas unidades da Federação, mas não há plano de ascensão e o foco está pulverizado nos municípios. O intuito é fortalecê-la em cada estado, respeitando as diferenças das localidades, passando, assim, a responsabilidade para as administrações locais e não para a Federação.
Apesar de ainda ser um estudo, a criação de uma carreira para médicos causa polêmica em setores de defesa da saúde. Para o secretário executivo do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Jurandi Frutuoso da Silva, o problema do Sistema Único de Saúde (SUS) não se restringe a ausência desses profissionais. “Também é preciso ter enfermeiros de qualidade, psicólogos etc.”, afirmou, durante a reunião do Conselho Nacional de Saúde, em que se discutiu a carreira do SUS. A ideia de regionalização do concurso para profissionais do SUS, no entanto, agrada ao secretário executivo do Conass. Segundo Jurandi, se é para se criar uma carreira, que ela seja efetivamente regional e com critérios claros para a remoção dos concursados. “Não podemos deixar isso atrelado a itens políticos”, alerta.
Iniciativas
Segundo o CFM, enquanto a Região Sudeste conta com 2,61 médicos para cada 1 mil habitantes, incluindo o serviço público e particular, a Região Norte tem 0,98 para a mesma proporção. A questão da falta de médicos no interior não é privilégio do Brasil. O secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mozart Salles, amenizou o problema e lembrou que o Canadá, por exemplo, sofre para fixar médicos nas zonas de geleiras, onde vivem os esquimós. “Essa dificuldade de provimento é mundial”, comparou.
No início deste ano, a presidente Dilma Rousseff deu ao ministro da pasta, Alexandre Padilha, a missão de levar médicos para as áreas mais pobres do país. Além do Provab, o governo conta com outras propostas para fomentar o processo de interiorização como o Revalida — programa de certificação de diplomas de medicina expedidos no exterior —, a quitação da dívida do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e a expansão e qualificação da Residência Médica para as Redes de Atenção à Saúde. Outra estratégia da pasta está focada no aumento da oferta de vagas desses programas, alinhadas à expansão das necessidades do SUS.
Na visão do conselho federal, diferentemente do que a pasta prega, não faltam médicos no Brasil, o problema está na má distribuição. De acordo com a pesquisa Demografia Médica no Brasil, elaborada pelo CFM, o país tem 1,95 médico para cada mil habitantes, enquanto no Distrito Federal são 4,02 para a mesma proporção, e estados como o Maranhão e o Pará têm menos de um para cada mil habitantes. Para suprir a demanda por médicos no serviço público, o Ministério da Educação prevê nos próximos anos a abertura de 2.415 vagas em cursos já existentes, 800 delas no setor privado.
Independência
As carreiras típicas de Estado são as que englobam a elite do funcionalismo público, formada por servidores que independentemente do governo permanecem na máquina estatal. Elas contam com estruturação específica e salário compatível com a responsabilidade do cargo. Atualmente, entre as carreiras consideradas típicas de Estado estão as relacionadas às atividades de fiscalização agropecuária, tributária e de relação de trabalho, arrecadação, finanças e controle, gestão pública, segurança pública e diplomacia.
Programa de valorização sem atrativos
A última tentativa do governo federal para manter médicos no interior do país foi o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), criado no início deste ano. O Provab ofereceu cerca de 2 mil vagas para médicos, mas, até o momento, preencheu apenas 316, com salários que giram em torno de R$ 8,8 mil. Apesar de prever supervisão presencial e a distância, curso de especialização em atenção básica e pontuação adicional de 10% em provas de acesso à residência médica, o programa enfrenta críticas de profissionais e gestores.
De acordo com a presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR), Beatriz Costa, o Provab não é atrativo. “Nem todos os municípios têm como oferecer o prometido, como o auxílio Tele-Saúde, que é um meio de supervisão ainda deficiente. Recebemos inúmeras reclamações e não temos respostas”, alega. Ainda segundo ela, os municípios não firmam contrato direto com os estudantes e alguns são assinados por um período menor do que o acertado.
Durante o III Fórum Nacional de Ensino Médico, a diretora do Departamento de Gestão da Educação na Saúde do ministério, Mônica Sampaio, reconheceu que a ação ainda não atingiu o objetivo. “A gente identificou que um dos grandes problemas do Provab se tratava de comunicação precária, mas estamos buscando solucionar esses obstáculos”, pontuou. O problema de fixação de médicos no interior existe desde edições anteriores de programas do governo de residência. Das 711 vagas oferecidas para medicina de família e comunidade, em 2011, apenas 206 foram ocupadas, ou seja, 71% ficaram ociosas.(GC)
Três perguntas para
Jorge Fernando Valente de Pinho, especialista em serviço público e professor de administração da Universidade de Brasília (UnB)
O que significa a criação de uma carreira de médico?
Considerando que em uma democracia a função é promover o bem-estar social, em um país com nossas carências e dificuldades, vejo que a intervenção do Estado deve ser bem-vinda, porque o que a sociedade quer que o estado proponha é saúde, segurança, educação de qualidade, habitação, trabalho. Algumas dessas coisas podem ser concedidas, outras, o cidadão tem de trabalhar por elas. Essa mesma ideia de carreiras típicas de Estado foi pregada pelo ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser, mas foi confundida por carreiras como a de fisco, que não traz impacto na vida do cidadão como a de médico.
A nova carreira resolveria a ausência de médicos no interior?
Só criar a carreira não adianta. O magistério, por exemplo, tem uma, mas não é bem paga, como um tribunal de contas ou o Legislativo. Não basta fazer como fizeram com outras classes, é preciso estabelecer uma carreira decente com remuneração e estímulo para os melhores profissionais. Uma carreira de médico é mais interessante para a sociedade do que uma de fiscal ou de auditor tributário. É mais interessante para a população essa iniciativa do que outras que têm sido tomadas até agora. Uma boa carreira é fundamental para atender essas dificuldades que temos, embora a gente pague muito imposto.
A nova carreira traria prejuízos ao Estado?
Não dá para pensar só nesses termos. As pessoas não pagam imposto para fazer lei ou para o Tribunal de Contas da União vigiar quem está roubando ou não. Isso não é fundamental. Muito mais importante é ir ao hospital e ser atendido. Esse é o sonho de todo brasileiro
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