Renan está conceitualmente certo: é genocídio sim!

Não é a existência de campo de concentração que define genocídio. Também não é um bando de soldados metralhando uma determinada etnia que define genocídio. Nem o conceito nasceu ligado à questão exclusivamente racial, como o termo “genocídio” (de genes, filiação genética etc.) pode dar a entender.

Genocídio é o termo relativo ao massacre não só de judeus na II Guerra Mundial, que foi determinado pela política de “solução final” de Hitler. O termo nasceu naquela época, mas, desde o início, indicava o massacre premeditado de vários grupos, levado a cabo pelos nazistas. Esses grupos não eram somente recortados por etnias. Os critérios pelos quais os grupos foram circunscritos eram os mais variados. Nesse aspecto, Hitler era criativo! Ciganos foram escolhidos por critérios raciais como os judeus, mas não só. Eles haviam sido tomados como elementos que não tinham pátria, e que não podiam servir à nação alemã. Todavia, também pessoas com deficiências mentais e/ou físicas foram escolhidas para morrer. Gays estiveram na lista da máquina de eliminação nazista porque representavam uma “deterioração humana” e um tipo de “monstruosidade” e “aberração”. Outros grupos foram perseguidos por conta de crença religiosa apenas. Artistas modernistas foram pegos em grupo. Sem contar certas prostitutas identificadas como não úteis! Pois havia as “prostitutas úteis”!

Assim, desde o início, a palavra genocídio foi evoluindo para um conceito que diz respeito à circunscrição de um grupo dentro de um grupo maior. A circunscrição e, em seguida, a escolha de políticas de segregação que levam tal grupo à morte, é isso que tipificou algo chamado de “política genocida”.

Ora, dentro do ministério da Economia, no Brasil, o conceito de genocídio foi mostrado pelo professor Croda, da UFMS, quando ele apontou para pessoas que ali, com apoio de Guedes e Bolsonaro, falavam abertamente da morte dos “velhos e fracos” pela Covid-19 como sendo algo “que nos ajuda”. No caso, a Covid-19, assumida como uma pandemia que iria passar e desaparecer rapidamente segundo a adoção de uma política ligada à falsa teoria da imunidade de rebanho, estaria colaborando com os objetivos de Guedes de levar adiante a reforma da Previdência.

Isso foi abafado pelos liberais que apoiaram Bolsonaro. Foi abafado pelos liberais que ficaram contra Bolsonaro, mas não se desgarraram dos objetivos reformistas de Guedes. Boa parte da população notou isso.

Na CPI ficou claro que o senador Aziz blindou Guedes. Aliás, ele mesmo confessou isso, dizendo que não iria envolver ninguém da área de Economia, para não criar problemas demais para o país. Ou seja, ele não queria alterar nada no mercado financeiro, o sacrossanto deus protegido pelas elites e seu braço armado, os militares.

A blindagem de Guedes, levada adiante por Aziz, agora fica clara, em seus verdadeiros motivos, diante da oposição dele ao termo “genocida” no relatório do senador Renan Calheiros. Este, por sua vez, sabe que está conceitualmente certo e sabe que ele tinha de “caprichar”, pois foi esse o recado que a população lhe deu. De fato, Renan caprichou. E está correto.

Bolsonaro disse a quatro cantos, e repete isso todo dia, inclusive no exterior, que o grupo atingido pela Covid era o “grupo com comorbidades”, os “velhinhos”. Ora, a política dele ligada às teorias falsas, remédios falsos e também à parafernália da Prevent Senior (defendida pelo falso jornalista Nassif), mostram bem que o grupo de velhos, os que tinham necessariamente “comorbidades”, era o seu preferido para morrer. “Iria morrer mesmo” – disse ele. Na verdade, o critério foi hitleriano: os mais fortes sobreviveriam. Os com “histórico de atleta” seriam os que iriam viver e contribuir com o Brasil. Assim, por tal circunscrição, Bolsonaro esteve em acordo, durante todo o tempo, com o conceito efetivo e original de genocídio. Amenizar isso agora e se colocar contra o relatório do senador Renan Calheiros é servir a Bolsonaro na última hora, e é um modo de proteger todos que iriam acabar em tribunais internacionais. É exatamente isso que temem os que, desde o início, estavam atuando para proteger Guedes.

A conversa de que a palavra “genocídio” não cabe, e que ela enfraqueceria o relatório da CPI é puro sofisma.

Paulo Ghiraldelli, 64, filósofo