A pandemia levou os sistemas de saúde, na maioria dos países do mundo, para perto da exaustão. No Brasil, após quase cento e sessenta mil mortes e mais de seis milhões de casos confirmados de COVID, sabemos que a pandemia só não foi mais desastrosa por causa da existência do SUS.
Em outros países a pandemia expôs fragilidades conhecidas de sistemas de saúde altamente privatizados.
O sistema de saúde dos Estados Unidos, tido como caótico, foi levado ao seu limite, exigindo recursos públicos vultuosos para que hospitais privados e planos de saúde não fossem à falência. Não é difícil concluir que é um sistema que, em momentos críticos, não funciona e vai depender de muito dinheiro público para não ficar inoperante.
Nos Estados Unidos,”os cidadãos precisam de um seguro particular para ter acesso a um médico ou pagar pelo tratamento do próprio bolso. E a grande maioria dos hospitais dos Estados Unidos são empresas que vivem do que cobram dos clientes e das seguradoras. A pandemia está levando ao limite as frágeis costuras de um sistema em que os doentes não são doentes, mas consumidores, e os médicos não são médicos, mas prestadores de serviços.”
(Matéria completa em https://brasil.elpais.com/internacional/2020-10-29/coronavirus-leva-ao-limite-o-caotico-sistema-de-saude-dos-estados-unidos.html ).
A matéria ainda se refere à falta de transparência nas contas hospitalares. uma associação chamada Patients Rights Advocate, que luta por maior transparência nos preços dos hospitais. Existe uma ONG que tem cobrado, com insistência essa transparência. “Sua diretora, Cynthia Fischer, os chama de “o cartel”. “A opacidade permite que hospitais e seguradoras façam acordos secretos nas nossas costas e nos cobrem a mais. É uma fraude que se comete todos os dias”, diz ela. Fischer pressionou a Casa Branca para aprovar uma ordem executiva exigindo transparência de preços. Donald Trump o fez no ano passado e a ordem entrará em vigor em 2021. Fischer elogia Trump, acredita que o que é preciso na saúde é mais transparência e mais mercado e que isso fará os preços baixarem. Outras análises não têm isso tão claro.”
Ainda antes da pandemia e durante os protestos sociais que convulsionaram o Chile, a BBC publicou uma matéria sobre a dificuldade de acesso a serviços de saúde naquele país. A situação da Previdência e da Saúde (Seguridade Social) foi um fermento do enorme descontentamento que explodiu nas ruas do Chile a partir de 2018 e culminou em um plebiscito que deixou clara a necessidade de uma nova Constituição.
No Chile, “de você não tem dinheiro, você morre.”
“O médico José Miguel Bernucci, secretário nacional da Faculdade de Medicina do Chile, diz que "o problema que estamos tendo, e que vem aumentando com o tempo, são as diferenças que os pacientes encontram nos sistemas público e privado".
No sistema de saúde chileno, a desigualdade está fortemente presente.”
"No Chile, os gastos com saúde ficam em 50% para entidades privadas e 50% para o sistema público. Parece justo, mas precisamos entender que 80% das pessoas são atendidas no serviço público", diz Bernucci.
Há mais mais alguns agravantes, segundo ele.
"Em saúde, existe um fator chamado determinantes sociais, que diz que as pessoas mais pobres têm a tendência a ficar mais doentes e, portanto, a gastar mais com saúde do que os mais ricos."
Ou seja, a população mais vulnerável fica mais desprotegida no país.
Há outro conceito, chamado "despesas diretas", que é o dinheiro que sai diretamente da renda primária de cada família para bancar a saúde. Nesse ponto, o Chile também não se sai muito bem.
Segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançado neste ano, a média desse tipo de gasto em seus países-membros é de 20,6% da renda das famílias. No entanto, no Chile, esse valor sobe para 35,1%, ocupando o terceiro lugar nos países com os maiores custos diretos com saúde, apenas abaixo da Letônia e do México.
Em comparação, enquanto os brasileiros gastaram de seu próprio bolso o equivalente a US$ 351 per capita em 2016 em despesas com saúde, os chilenos gastaram US$ 766 em 2018, também segundo a OCDE.
Para Bernucci, esse é um fato que fala por si. "Isso gera desigualdade imediata, porque cria uma diferença entre os grupos de pacientes que não podem pagar, aqueles que podem pagar menos e aqueles que podem pagar mais".
Em outras palavras, a saúde, a vida e a morte dependem do quanto o cidadão chileno têm disponível para gastar.”
(A matéria completa pode ser lida em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50494429.amp )
Imaginamos que seria um enorme retrocesso para o Brasil se tivesse um sistema de saúde similar ao do Chile ou dos Estados Unidos. Não há os que defendam exatamente esses modelos, mas defendem diferentes formas de privatização do SUS, como aconteceu recentemente com o polêmico decreto gorado de Bolsonaro que implantava um grupo de estudos com a finalidade de realizar a privatização dos postos de saúde. O ministro Paulo Guedes foi funcionário do governo de Pinochet, que implantou o sistema de saúde do Chile. Muitos médicos que apoiam Bolsonaro são admiradores do modelo usado nos Estados Unidos e estudam propostas de variantes desse modelo para substituir o SUS. É de se entender que o risco de retrocesso no sistema público de saúde é real.
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