SALÁRIOS PRECÁRIOS LEVAM A DESMOTIVAÇÃO E PROVOCAM FALTA DE MÉDICOS EM MUITOS SETORES DO SERVIÇO PÚBLICO.
Número insuficiente de médicos gera superlotação em hospital Com medo da dengue, população do subúrbio recorre ao João Batista Caribé
Perla Ribeiro
Alarmada com o segundo caso de morte por dengue, a população do subúrbio ferroviário lotou ontem o Hospital João Batista Caribé em busca de atendimento. Na contramão da demanda, o número de médicos: apenas um clínico, dois pediatras e três obstetras. Com pacientes lotando a parte externa e interna do hospital, às 11h, a coordenação do plantão contabilizava 104 atendimentos, sendo 60 em pediatria. Com a equipe desfalcada em função da ausência de um clínico, quem precisou recorrer ao hospital teve que contar com uma boa dose de paciência. Às 11h20, o clínico Paulo Bastos ainda tinha em sua mesa a ficha de um paciente que deu entrada na unidade às 8h19 e ainda não havia sido atendido.
Mais do que os transtornos da espera, o atendimento também foi alvo de críticas. Na pediatria, crianças dividiam a mesma maca. “Isso é um absurdo. Tem maca sendo usada por quatro crianças com problemas diferentes. Se acontecer alguma coisa com minha filha, vou responsabilizar o hospital”, bradou a revendedora Sueli do Espírito Santo Conceição Pires, 19 anos, mãe de um bebê de 5 meses. Perto dela, a dona de casa Joseane dos Santos, 21, acompanhava a filha Letícia Silva dos Santos, 5 anos. Segundo a mãe, desde ontem a garota tem colocado sangue pelo nariz e boca, vomitado e sentido dor no estômago. “Do jeito que a coisa está, não descarto a possibilidade de dengue hemorrágica”, disse a moradora do Cruzeiro.
De acordo com informação da coordenação do plantão, a garota foi examinada e ficaria em observação na unidade. Porém, se o quadro se agravar, será encaminhada ao Hospital Couto Maia. Na fila de atendimento, a dona de casa Alexsandra Borges dos Santos, 28, aguardava atendimento para os três filhos: Eric, 4 anos, Erica, 3, e Edinei, 6. Os três apresentavam os mesmos sintomas: febre, dor de cabeça e vômito. “Dei remédio, a febre baixou, mas depois voltou. É tanta coisa que a gente ouve falar que acredito que seja dengue mesmo”, disse.
Crianças - Entre os pacientes estão pessoas de todas as idades, mas as crianças tem sido em maior número. A manifestação dos sintomas sugestivos de dengue tem deixado pais apreensivos. Quando a primeira filha teve dengue, a recepcionista Iracema Costa Vasconcelos, 48, tratou em casa mesmo. Porém, diante do quadro apresentado pela filha Aline Vasconcelos, 25, ela preferiu não titubear. “Ela tem sentido tremedeiras, dor de cabeça, febre e vômito. Lá na rua temos um esgoto passando na frente de casa e uma criança morreu essa semana”, disse a mãe, referindo-se à segunda vítima fatal da dengue hemorrágica na capital.
O coordenador de plantão do Hospital João Batista Caribé, Fábio Santos, reconheceu a demora no atendimento e atribuiu à ausência de um clínico. “Já estamos acionando outro médico para substituí-lo. Médico na casa temos, mas não sabemos a hora que os pacientes serão atendidos”, explicou. O clínico Paulo Bastos atribui a sobrecarga no atendimento a ausência de médicos nos postos de saúde. “Muitos dos casos que recebemos era para atendimento ambulatorial e não da emergência. Porém, não podemos mandar as pessoas voltarem para casa”, disse.
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Movimento no Couto Maia
No Hospital Couto Maia, a procura também tem aumentado em função da dengue. Na manhã de ontem, boa parte dos pacientes que se dirigiram à unidade relatava quadro de febre, dor de cabeça e vômito. Com a aparência bastante abatida, a estudante Fabiana Damasceno Barbosa, 10 anos, chegou à unidade amparada pelos pais. Antes, passou pela emergência de Pirajá e a família foi orientada a seguir com a menina para o Couto Maia. “Com todo mundo falando em dengue e a gente vendo o povo morrer, não tem como não ficar preocupado”, disse o pai, o pedreiro Ezequias Cabral Barbosa, 38. A garota tem febre, dor de cabeça e sente dores no corpo.
Outra paciente que foi encaminhada à unidade é a estudante Carolina de Jesus Santos, 20. Há 12 dias tendo febre, dor de cabeça e no corpo, ela já havia passado três vezes pelo Hospital Heládio Lacerda e os sintomas permanecem. “Da primeira vez, informaram que era virose. Mandaram eu tomar paracetamol e dipirona, mas não adiantou”, informou. O primeiro exame apontou que as plaquetas de Carolina estavam em 70. Da segunda vez haviam subido para 97. “Acho que a situação agora é menos preocupante”, avaliou, à espera de atendimento.
Ao todo, há 15 pessoas internadas no hospital com diagnóstico de dengue hemorrágica. Entre elas há um bebê de 11 meses e outro paciente em estado grave na Unidade de terapia intensiva (UTI). Por conta da dengue, o hospital que é referência no tratamento de doenças infecto-contagiosas tem atendido o dobro da demanda normal. De acordo com a diretoria, a média tem sido de cerca de 100 pacientes por dia.
O problema, segundo a diretora Ceuci Nunes, é que, muitas vezes, a procura é equivocada. “Cerca de 60% dos casos não é de dengue. São simples resfriados ou viroses. A procura desesperada da população pela emergência tem sobrecarregado o nosso pronto-atendimento”, considerou. A médica também explica que é impossível diagnosticar a doença no primeiro dia de febre. “Não adianta correr para o hospital. O quadro tem que ser de febre há pelo menos 48 horas. A não ser que o sintoma venha aliado a outros, como vômitos e sangramento”, esclareceu Ceuci Nunes.
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