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EMPREGO DECENTE: CONTRATO REGULAR E CARTEIRA ASSINADA SEMPRE TERÃO LUGAR NA ECONOMIA.

Consultor dá entrevista na Tribuna da Imprensa: emprego decente, com contrato regular e carteira assinada sempre terão lugar na Economia:










Tribuna da imprensa online                 www.tribunadaimprensa.com.br
Rio de janeiro, segunda-feira, 10 de março de 2008


Relações de trabalho, um novo desafio


Especialista diz que Brasil precisa definir se quer regras de primeiro ou de terceiro mundo

Marcelo Copelli


O trabalho formal sofreu transformações significativas nas últimas décadas, tanto material quanto operacionalmente, e nas formas de regulação institucional. Apesar de informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgadas recentemente pelo Ministério do Trabalho mostrarem crescimento do emprego com carteira assinada, a informalidade ainda assusta, e muito.


Apesar da crença existente na década de 50 de que o trabalho informal desapareceria aos poucos, superado pelo desenvolvimento das relações de trabalho capitalistas modernas, o cenário atual ainda contradiz tais perspectivas. Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizada em 2004, dá bem uma idéia da gravidade do problema. De acordo com o estudo, o trabalho informal atinge 58,1% dos ocupados no Brasil, o que significa o assustador número de 38,1 milhões de pessoas.


Segundo o professor da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) e coordenador do Laboratório de Sistemas Avançados de Gestão da Produção (Sage), Rogério Valle, o quadro da informalidade no País só será revertido através do crescimento econômico. "A partir daí, é preciso ser travada uma batalha política para definirmos se queremos crescer com relações de trabalho de primeiro ou de terceiro mundo", diz.







TRIBUNA DA IMPRENSA - Na sua opinião, qual foi a mudança mais significativa observada nas relações trabalhistas da história recente do Brasil e do mundo?


ROGÉRIO VALLE - O mercado de trabalho informal cresceu ao longo de toda a segunda metade do século XX e, sobretudo, nos anos 90. Paralelamente a isso, o próprio trabalho formal passou a sofrer transformações, tanto material quanto operacionalmente, e nas formas de regulação institucional. A primeira mudança se refere à maneira de trabalhar.


Antigamente, quando se falava em trabalhador, vinha logo à cabeça a idéia de uma pessoa que transformava uma matéria-prima em uma peça. Dava-se menos importância àqueles que processavam informações ou prestavam serviços. O número de trabalhadores que transformava a matéria era muito elevado na sociedade. Eles eram o que se chamava basicamente de operários. Ora, o século passado terminou com uma queda, em todos os países do mundo, da percentagem de pessoas envolvidas com esse trabalho de transformação de material, mas que ainda emprega muita gente. Aumentou muito o número de trabalhadores que atuam sobre a informação e que atuam nas modificações do próprio cliente, no que a gente chama de serviços. Mesmo as pessoas que trabalham sobre a matéria acabam agora também realizando tarefas relacionadas à transformação de informações.





O senhor apontaria tal mudança como sendo a principal verificada nas relações do homem com o trabalho?

Não somente. Outra mudança importante se deu nas formas institucionais através das quais ocorre a regularização desse trabalho. No Brasil dos anos 50, com Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, você tinha trabalhador de carteira assinada ao lado do pessoal da economia informal, é verdade.


Entretanto, criou-se essa polaridade entre ambos. Bem, o trabalho com carteira assinada passou a sofrer um ataque bastante grande por parte dos empresários, que têm nele uma restrição à liberdade de admitir, demitir, além de julgarem também haver muitas taxações. Assim, tendem a preferir outras formas, às vezes legais, às vezes ilegais, de contratação. Uma das questões que no momento pode ser citada é a intenção do governo federal em realizar concursos e contratações, porque existe um acordo com o Ministério Público para reduzir o número de terceirizados no serviço público. Mas o Executivo não tem como pôr em prática esse acordo, uma vez que o número de empregados terceirizados trabalhando em estatais e órgãos públicos é muito elevado. Há empresas públicas nas quais mais da metade de seus trabalhadores é de pessoas não-concursadas.





Por quais motivos podemos observar, ainda, a continuidade de tal quadro?

Porque as empresas públicas não podiam contratar. Após a nova Constituição, elas passaram a contratar através de concursos. No entanto, não havia vagas para fazer concurso, nem dinheiro ou autorização. Assim, "quebravam o galho" fazendo contratação de pessoas de forma legal do ponto de vista da organização trabalhista. Porém, de acordo com o Ministério Público, funções públicas têm que ser exercidas por funcionários públicos. Algumas empresas de pesquisas científicas governamentais, por exemplo, estão trabalhando há anos com pesquisadores contratados como terceiros, o que é um problema agora, a exemplo de Furnas. O quadro de pessoal envelheceu assustadoramente, pois há muito tempo não entra ninguém novo.



E no caso das empresas privadas?

Muitas empresas privadas abusaram na contratação de pessoal e através de uma série de formas burlavam a contratação normal, obrigando a pessoa a trabalhar por uma cooperativa, contratação como pessoa jurídica ou ainda através de empresas. Tudo isso trouxe como conseqüência um enorme prejuízo para tais organizações. As empresas de telefonia que foram privatizadas podem também ser citadas como exemplos. Elas haviam repassado para cooperativas ou empresas formadas por ex-funcionários, com relações internas complicadíssimas, todo o serviço de atendimento ao cliente.


Quem vai nas residências consertar o telefone não é da operadora propriamente dita. É um prestador de serviço. Isso não deu certo porque a qualidade de serviço caiu muito. E mesmo contratados por uma terceira empresa, esses trabalhadores recorrem ao Judiciário contra a empresa contratada. Então, ela (a empresa) e as demais organizações de telecomunicações estão revendo tal questão.



De que forma o senhor definiria, atualmente, as etapas de transformação do trabalho?

A transformação do trabalho que está havendo ocorre através de dois tipos. O exercício do trabalho mudou bastante na direção do processamento. Muito mais sobre a informação do que sobre a matéria. E as formas de contratação também estão oscilando. Saímos de uma situação na qual a referência era a carteira assinada, passamos por um grande momento neoliberal, em que o referencial passou a ser a contratação intermediada, e agora estamos começando um terceiro momento, de reequilíbrio entre a contratação direta, com carteira assinada, e essas novas formas de contratação como pessoa jurídica, e não como pessoa física.



Há algumas décadas a crença era de que o trabalho informal desapareceria. Entretanto, ele está mais presente do que nunca. Quais os fatores disso?

Nos anos 50, as empresas capitalistas, as indústrias, contratavam com carteira assinada. Tínhamos, na época, o seguinte raciocínio: o Brasil vai se industrializar e com isso vai contratar mais operários com carteira assinada e com seus direitos trabalhistas assegurados. A indústria só contratava gente com carteira assinada, pagando melhor e com uma série de garantias. Fazia questão de trabalhar desse jeito. Acontece que, com o passar do tempo, a indústria foi perdendo espaço e coincidiu desse crescimento do trabalho sobre a informação ser executado, sobretudo, por essas empresas terceiras.


Como é sabido, cada vez menos, as empresas ficaram interessadas em contratar pessoas por carteira assinada. Nos anos 50, havia condições de se planejar melhor as coisas. No final do século XX, o planejamento observado nas empresas já se mostrava muito mais complexo, uma vez que tem que se tomar decisão o tempo todo. As incertezas em relação às tecnologias, aos mercados, às normas sociais, são muito maiores que em décadas passadas. Naquela época, uma empresa sabia com menos insegurança os tipos de tecnologias com as quais estaria envolvida a médio e longo prazo, o tipo de mercado no qual atuaria, as regras sociais, entre outros.


Atualmente, porém, uma organização não pode estar certa do quadro que irá encontrar daqui a uma década, por exemplo. Isso dificulta os investimentos e a contratação de pessoal. As mudanças são muito mais rápidas e as instabilidades também.


A tendência das empresas é não estabelecer vínculos definitivos, nem com o trabalhador e nem mesmo com clientes. Ela quer que os clientes tenham responsabilidade com ela, entretanto não quer ter responsabilidade com os clientes. Você assinar um contrato com um cliente por cinco anos é muito raro hoje em dia.



De que forma o senhor analisa as alternativas disponíveis ao cidadão economicamente ativo, atualmente?

Temos que olhar duas dimensões. Uma do ponto de vista do tipo de trabalho que as pessoas vão executar. É certo que os indivíduos que "pegam no pesado" vão ter que processar informações. E é nesse sentido que o trabalho vai ter um componente, por assim dizer, cada vez mais intelectual, que faz com que a educação básica e a educação profissional se tornem gradativamente mais importantes para quem trabalha.


Do ponto de vista do tipo de relações institucionais, o que se pode esperar para o século atual é uma transformação da carteira assinada, que provavelmente não vai ficar do jeito que é hoje. Por outro lado, não creio que venhamos a ter tantas formas de trabalho precárias que atualmente ainda são comuns. Acredito em uma uma multiplicidade de contratos dentro das empresas que vão proporcionar às pessoas graus diferentes de estabilidade, de remuneração, de segurança em relação ao seu futuro. Agora, essa mistura ainda está bastante indefinida e vai ser o resultado de muitas brigas e discussões políticas mais para frente.



Então o senhor aposta no futuro da carteira de trabalho?

Creio que os contratos de trabalho mais estáveis e mais formais ainda serão uma das formas importantes de contratação nas próximas décadas. Não vão perder importância de jeito nenhum, mas teremos mudanças. Os direitos do trabalhador com carteira assinada vão ser alterados.


Ficou claro, pela experiência dos últimos tempos, que é indesejável para as próprias empresas ter trabalhadores contratados de forma precária. As empresas estão descobrindo o preço de trabalharem completamente descomprometidas. Depois, o trabalhador acaba entrando na Justiça do Trabalho requerendo seus direitos. Além da carteira, podemos ter também outras formas de contratação, mas com graus menores de segurança.




A informalidade é um motivo de grande de preocupação. Como reverter esse quadro?

Quando a pessoa é contratada por uma cooperativa ou por uma empresa agenciadora de mão-de-obra, ela não está na informalidade, pois está debaixo de um contrato. A informalidade plena se dá para aquela pessoa "contratada" sem nenhuma forma de contrato. Isso ainda existe e cresceu muito nas últimas décadas. Na década de 90, sobretudo, houve uma promessa neoliberal de que, afrouxando-se a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), as empresas se sentiriam mais à vontade para contratar maior números de trabalhadores, desde que fosse através de vias contratuais menos estáveis. Mas isso não aconteceu. A situação de emprego começou a melhorar com o governo atual, e devido a outros fatores. Provavelmente o crescimento tem um efeito muito mais positivo sobre o número de pessoas empregadas do que sobre a forma de contratação. O crescimento da informalidade no Brasil é prejudicial ao trabalhador, que fica sem garantias quanto à aposentadoria, é prejudicial às contas públicas, porque o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) deixa de recolher sobre essa pessoa, e é prejudicial à própria empresa.


A informalidade cresceu muito a partir do momento que a economia não crescia. O que se espera é que, havendo maior crescimento econômico, os trabalhadores continuem empregados, com mais formas de contrato de trabalho formais e com carteira de trabalho assinada. Para reduzir a quantidade de trabalhadores informais, provavelmente o mais importante é que esse crescimento razoável da economia por um novo período seja dinâmico e com qualidade.


Empresas que adotam padrões de competitividade mais contemporâneos têm compromissos com os clientes, com o meio ambiente, portanto, com o trabalhador. Por exemplo, uma organização que atua no mercado internacional não pode correr o risco de ter trabalho escravo ou mesmo informal. Ou no caso de uma empresa que, mesmo trabalhando unicamente no mercado nacional, mas para a qual a imagem é muito importante, igualmente precisa se preocupar em evitar o trabalho informal. Além disso, percebe-se uma consciência cada vez maior de que a grande empresa é também responsável pelos seus fornecedores. Então, a formalização das relações de trabalho significa, hoje, uma coisa diferente do que era nos anos 50. E essa formalização deve voltar a crescer um pouco mais.



E no contexto que o senhor citou, a redução dos impostos poderia facilitar as relações de trabalho atuais?

A explicação neoliberal para o desemprego é jogar sempre a culpa das coisas no Estado e não nos empregadores. Então, surgiu essa idéia de que não há mais contratações porque há muita burocracia ou porque existem muitas leis. De uma forma geral é uma abordagem errada. Claro que é necessário mudar as leis. É preciso que tenhamos leis de trabalho e impostos.


Uma sociedade que não cobra impostos não existe, que eu saiba. A sociedade brasileira não estaria preparada para isso. Tem que haver, sim, e está havendo, uma mudança, talvez até mais lenta do que deveria, nas exigências para contratação de trabalhadores e nos impostos. Entretanto, o principal ponto não é esse. O decisivo é o crescimento econômico, e a partir daí é preciso ser travada uma batalha política para definirmos se queremos crescer com relações de trabalho de primeiro ou de terceiro mundo. O que está em jogo no Brasil é saber se, havendo crescimento, a gente vai responder aumentando o número de trabalhadores incorporados a um mercado de trabalho decente ou, se ao contrário, elevando o trabalho informal.




Na década de 80 o trabalho informal podia ser representado pelo "camelô", personagem que tipificava o cidadão desempregado e "inventava" uma fonte de renda. O senhor diria que houve uma inversão de valores ou mesmo a instauração de um quadro ainda mais grave, já que, hoje, até profissionais qualificados estão também em tal situação?

As empresas, sobretudo as pequenas, julgaram que a contratação formal as prendia a vínculos muito fortes, o que, até certo ponto, é verdade. Aí apostaram muito em ter trabalhadores de uma forma totalmente descompromissada e que aparentemente trazia vantagens. Mas as desvantagens apareceram a longo prazo. Você tem gente qualificada atuando como "camelô" porque as mesmas não encontraram trabalho onde esperavam. Eles foram deslocados uma vez que houve a chamada reestruturação produtiva, que colocou muita gente com "bagagem" para fora. E as pessoas contratadas agora tendem a ser mais jovens. Há uma geração de gerentes, de pessoas com cargos de supervisão, um pouco mais sacrificadas, para as quais não restou outra opção a não ser se lançarem na informalidade. Foi uma grande maldade dos neoliberais dizer que a informalidade era um novo horizonte, algo positivo. Na verdade, ninguém vai para a informalidade porque quer. São condições de trabalho muito duras para ganhar bem menos.


Sabidamente, há uma dificuldade maior para quem está desempregado há bastante tempo e tem uma certa idade. Mesmo havendo um crescimento da economia de agora em diante, é pouco provável que essa geração com mais de 40 anos que está nas ruas atuando como ambulante volte a ter um emprego. É uma situação muito complicada.



E de que forma funcionam as regras de trabalho em níveis internacionais?

As regras da competição internacional contemplam as duas coisas. Há países asiáticos que ganham competitividade graças ao trabalho decente e outros, também asiáticos, cujo trabalho não é decente. Não está claro para qual lado o Brasil vai. É o tipo de trabalho decente que dá mais valor adicionado. Os produtos que dão mais dinheiro são os que têm que ser feitos com trabalho inteligente. É basicamente um trabalho que não pode ser informal.


Relações de trabalho, um novo desafio


Especialista diz que Brasil precisa definir se quer regras de primeiro ou de terceiro mundo

Marcelo Copelli


O trabalho formal sofreu transformações significativas nas últimas décadas, tanto material quanto operacionalmente, e nas formas de regulação institucional. Apesar de informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgadas recentemente pelo Ministério do Trabalho mostrarem crescimento do emprego com carteira assinada, a informalidade ainda assusta, e muito.


Apesar da crença existente na década de 50 de que o trabalho informal desapareceria aos poucos, superado pelo desenvolvimento das relações de trabalho capitalistas modernas, o cenário atual ainda contradiz tais perspectivas. Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizada em 2004, dá bem uma idéia da gravidade do problema. De acordo com o estudo, o trabalho informal atinge 58,1% dos ocupados no Brasil, o que significa o assustador número de 38,1 milhões de pessoas.


Segundo o professor da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) e coordenador do Laboratório de Sistemas Avançados de Gestão da Produção (Sage), Rogério Valle, o quadro da informalidade no País só será revertido através do crescimento econômico. "A partir daí, é preciso ser travada uma batalha política para definirmos se queremos crescer com relações de trabalho de primeiro ou de terceiro mundo", diz.







TRIBUNA DA IMPRENSA - Na sua opinião, qual foi a mudança mais significativa observada nas relações trabalhistas da história recente do Brasil e do mundo?


ROGÉRIO VALLE - O mercado de trabalho informal cresceu ao longo de toda a segunda metade do século XX e, sobretudo, nos anos 90. Paralelamente a isso, o próprio trabalho formal passou a sofrer transformações, tanto material quanto operacionalmente, e nas formas de regulação institucional. A primeira mudança se refere à maneira de trabalhar.


Antigamente, quando se falava em trabalhador, vinha logo à cabeça a idéia de uma pessoa que transformava uma matéria-prima em uma peça. Dava-se menos importância àqueles que processavam informações ou prestavam serviços. O número de trabalhadores que transformava a matéria era muito elevado na sociedade. Eles eram o que se chamava basicamente de operários. Ora, o século passado terminou com uma queda, em todos os países do mundo, da percentagem de pessoas envolvidas com esse trabalho de transformação de material, mas que ainda emprega muita gente. Aumentou muito o número de trabalhadores que atuam sobre a informação e que atuam nas modificações do próprio cliente, no que a gente chama de serviços. Mesmo as pessoas que trabalham sobre a matéria acabam agora também realizando tarefas relacionadas à transformação de informações.





O senhor apontaria tal mudança como sendo a principal verificada nas relações do homem com o trabalho?

Não somente. Outra mudança importante se deu nas formas institucionais através das quais ocorre a regularização desse trabalho. No Brasil dos anos 50, com Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, você tinha trabalhador de carteira assinada ao lado do pessoal da economia informal, é verdade.


Entretanto, criou-se essa polaridade entre ambos. Bem, o trabalho com carteira assinada passou a sofrer um ataque bastante grande por parte dos empresários, que têm nele uma restrição à liberdade de admitir, demitir, além de julgarem também haver muitas taxações. Assim, tendem a preferir outras formas, às vezes legais, às vezes ilegais, de contratação. Uma das questões que no momento pode ser citada é a intenção do governo federal em realizar concursos e contratações, porque existe um acordo com o Ministério Público para reduzir o número de terceirizados no serviço público. Mas o Executivo não tem como pôr em prática esse acordo, uma vez que o número de empregados terceirizados trabalhando em estatais e órgãos públicos é muito elevado. Há empresas públicas nas quais mais da metade de seus trabalhadores é de pessoas não-concursadas.





Por quais motivos podemos observar, ainda, a continuidade de tal quadro?

Porque as empresas públicas não podiam contratar. Após a nova Constituição, elas passaram a contratar através de concursos. No entanto, não havia vagas para fazer concurso, nem dinheiro ou autorização. Assim, "quebravam o galho" fazendo contratação de pessoas de forma legal do ponto de vista da organização trabalhista. Porém, de acordo com o Ministério Público, funções públicas têm que ser exercidas por funcionários públicos. Algumas empresas de pesquisas científicas governamentais, por exemplo, estão trabalhando há anos com pesquisadores contratados como terceiros, o que é um problema agora, a exemplo de Furnas. O quadro de pessoal envelheceu assustadoramente, pois há muito tempo não entra ninguém novo.



E no caso das empresas privadas?

Muitas empresas privadas abusaram na contratação de pessoal e através de uma série de formas burlavam a contratação normal, obrigando a pessoa a trabalhar por uma cooperativa, contratação como pessoa jurídica ou ainda através de empresas. Tudo isso trouxe como conseqüência um enorme prejuízo para tais organizações. As empresas de telefonia que foram privatizadas podem também ser citadas como exemplos. Elas haviam repassado para cooperativas ou empresas formadas por ex-funcionários, com relações internas complicadíssimas, todo o serviço de atendimento ao cliente.


Quem vai nas residências consertar o telefone não é da operadora propriamente dita. É um prestador de serviço. Isso não deu certo porque a qualidade de serviço caiu muito. E mesmo contratados por uma terceira empresa, esses trabalhadores recorrem ao Judiciário contra a empresa contratada. Então, ela (a empresa) e as demais organizações de telecomunicações estão revendo tal questão.



De que forma o senhor definiria, atualmente, as etapas de transformação do trabalho?

A transformação do trabalho que está havendo ocorre através de dois tipos. O exercício do trabalho mudou bastante na direção do processamento. Muito mais sobre a informação do que sobre a matéria. E as formas de contratação também estão oscilando. Saímos de uma situação na qual a referência era a carteira assinada, passamos por um grande momento neoliberal, em que o referencial passou a ser a contratação intermediada, e agora estamos começando um terceiro momento, de reequilíbrio entre a contratação direta, com carteira assinada, e essas novas formas de contratação como pessoa jurídica, e não como pessoa física.



Há algumas décadas a crença era de que o trabalho informal desapareceria. Entretanto, ele está mais presente do que nunca. Quais os fatores disso?

Nos anos 50, as empresas capitalistas, as indústrias, contratavam com carteira assinada. Tínhamos, na época, o seguinte raciocínio: o Brasil vai se industrializar e com isso vai contratar mais operários com carteira assinada e com seus direitos trabalhistas assegurados. A indústria só contratava gente com carteira assinada, pagando melhor e com uma série de garantias. Fazia questão de trabalhar desse jeito. Acontece que, com o passar do tempo, a indústria foi perdendo espaço e coincidiu desse crescimento do trabalho sobre a informação ser executado, sobretudo, por essas empresas terceiras.


Como é sabido, cada vez menos, as empresas ficaram interessadas em contratar pessoas por carteira assinada. Nos anos 50, havia condições de se planejar melhor as coisas. No final do século XX, o planejamento observado nas empresas já se mostrava muito mais complexo, uma vez que tem que se tomar decisão o tempo todo. As incertezas em relação às tecnologias, aos mercados, às normas sociais, são muito maiores que em décadas passadas. Naquela época, uma empresa sabia com menos insegurança os tipos de tecnologias com as quais estaria envolvida a médio e longo prazo, o tipo de mercado no qual atuaria, as regras sociais, entre outros.


Atualmente, porém, uma organização não pode estar certa do quadro que irá encontrar daqui a uma década, por exemplo. Isso dificulta os investimentos e a contratação de pessoal. As mudanças são muito mais rápidas e as instabilidades também.


A tendência das empresas é não estabelecer vínculos definitivos, nem com o trabalhador e nem mesmo com clientes. Ela quer que os clientes tenham responsabilidade com ela, entretanto não quer ter responsabilidade com os clientes. Você assinar um contrato com um cliente por cinco anos é muito raro hoje em dia.



De que forma o senhor analisa as alternativas disponíveis ao cidadão economicamente ativo, atualmente?

Temos que olhar duas dimensões. Uma do ponto de vista do tipo de trabalho que as pessoas vão executar. É certo que os indivíduos que "pegam no pesado" vão ter que processar informações. E é nesse sentido que o trabalho vai ter um componente, por assim dizer, cada vez mais intelectual, que faz com que a educação básica e a educação profissional se tornem gradativamente mais importantes para quem trabalha.


Do ponto de vista do tipo de relações institucionais, o que se pode esperar para o século atual é uma transformação da carteira assinada, que provavelmente não vai ficar do jeito que é hoje. Por outro lado, não creio que venhamos a ter tantas formas de trabalho precárias que atualmente ainda são comuns. Acredito em uma uma multiplicidade de contratos dentro das empresas que vão proporcionar às pessoas graus diferentes de estabilidade, de remuneração, de segurança em relação ao seu futuro. Agora, essa mistura ainda está bastante indefinida e vai ser o resultado de muitas brigas e discussões políticas mais para frente.



Então o senhor aposta no futuro da carteira de trabalho?

Creio que os contratos de trabalho mais estáveis e mais formais ainda serão uma das formas importantes de contratação nas próximas décadas. Não vão perder importância de jeito nenhum, mas teremos mudanças. Os direitos do trabalhador com carteira assinada vão ser alterados.


Ficou claro, pela experiência dos últimos tempos, que é indesejável para as próprias empresas ter trabalhadores contratados de forma precária. As empresas estão descobrindo o preço de trabalharem completamente descomprometidas. Depois, o trabalhador acaba entrando na Justiça do Trabalho requerendo seus direitos. Além da carteira, podemos ter também outras formas de contratação, mas com graus menores de segurança.




A informalidade é um motivo de grande de preocupação. Como reverter esse quadro?

Quando a pessoa é contratada por uma cooperativa ou por uma empresa agenciadora de mão-de-obra, ela não está na informalidade, pois está debaixo de um contrato. A informalidade plena se dá para aquela pessoa "contratada" sem nenhuma forma de contrato. Isso ainda existe e cresceu muito nas últimas décadas. Na década de 90, sobretudo, houve uma promessa neoliberal de que, afrouxando-se a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), as empresas se sentiriam mais à vontade para contratar maior números de trabalhadores, desde que fosse através de vias contratuais menos estáveis. Mas isso não aconteceu. A situação de emprego começou a melhorar com o governo atual, e devido a outros fatores. Provavelmente o crescimento tem um efeito muito mais positivo sobre o número de pessoas empregadas do que sobre a forma de contratação. O crescimento da informalidade no Brasil é prejudicial ao trabalhador, que fica sem garantias quanto à aposentadoria, é prejudicial às contas públicas, porque o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) deixa de recolher sobre essa pessoa, e é prejudicial à própria empresa.


A informalidade cresceu muito a partir do momento que a economia não crescia. O que se espera é que, havendo maior crescimento econômico, os trabalhadores continuem empregados, com mais formas de contrato de trabalho formais e com carteira de trabalho assinada. Para reduzir a quantidade de trabalhadores informais, provavelmente o mais importante é que esse crescimento razoável da economia por um novo período seja dinâmico e com qualidade.


Empresas que adotam padrões de competitividade mais contemporâneos têm compromissos com os clientes, com o meio ambiente, portanto, com o trabalhador. Por exemplo, uma organização que atua no mercado internacional não pode correr o risco de ter trabalho escravo ou mesmo informal. Ou no caso de uma empresa que, mesmo trabalhando unicamente no mercado nacional, mas para a qual a imagem é muito importante, igualmente precisa se preocupar em evitar o trabalho informal. Além disso, percebe-se uma consciência cada vez maior de que a grande empresa é também responsável pelos seus fornecedores. Então, a formalização das relações de trabalho significa, hoje, uma coisa diferente do que era nos anos 50. E essa formalização deve voltar a crescer um pouco mais.



E no contexto que o senhor citou, a redução dos impostos poderia facilitar as relações de trabalho atuais?

A explicação neoliberal para o desemprego é jogar sempre a culpa das coisas no Estado e não nos empregadores. Então, surgiu essa idéia de que não há mais contratações porque há muita burocracia ou porque existem muitas leis. De uma forma geral é uma abordagem errada. Claro que é necessário mudar as leis. É preciso que tenhamos leis de trabalho e impostos.


Uma sociedade que não cobra impostos não existe, que eu saiba. A sociedade brasileira não estaria preparada para isso. Tem que haver, sim, e está havendo, uma mudança, talvez até mais lenta do que deveria, nas exigências para contratação de trabalhadores e nos impostos. Entretanto, o principal ponto não é esse. O decisivo é o crescimento econômico, e a partir daí é preciso ser travada uma batalha política para definirmos se queremos crescer com relações de trabalho de primeiro ou de terceiro mundo. O que está em jogo no Brasil é saber se, havendo crescimento, a gente vai responder aumentando o número de trabalhadores incorporados a um mercado de trabalho decente ou, se ao contrário, elevando o trabalho informal.




Na década de 80 o trabalho informal podia ser representado pelo "camelô", personagem que tipificava o cidadão desempregado e "inventava" uma fonte de renda. O senhor diria que houve uma inversão de valores ou mesmo a instauração de um quadro ainda mais grave, já que, hoje, até profissionais qualificados estão também em tal situação?

As empresas, sobretudo as pequenas, julgaram que a contratação formal as prendia a vínculos muito fortes, o que, até certo ponto, é verdade. Aí apostaram muito em ter trabalhadores de uma forma totalmente descompromissada e que aparentemente trazia vantagens. Mas as desvantagens apareceram a longo prazo. Você tem gente qualificada atuando como "camelô" porque as mesmas não encontraram trabalho onde esperavam. Eles foram deslocados uma vez que houve a chamada reestruturação produtiva, que colocou muita gente com "bagagem" para fora. E as pessoas contratadas agora tendem a ser mais jovens. Há uma geração de gerentes, de pessoas com cargos de supervisão, um pouco mais sacrificadas, para as quais não restou outra opção a não ser se lançarem na informalidade. Foi uma grande maldade dos neoliberais dizer que a informalidade era um novo horizonte, algo positivo. Na verdade, ninguém vai para a informalidade porque quer. São condições de trabalho muito duras para ganhar bem menos.


Sabidamente, há uma dificuldade maior para quem está desempregado há bastante tempo e tem uma certa idade. Mesmo havendo um crescimento da economia de agora em diante, é pouco provável que essa geração com mais de 40 anos que está nas ruas atuando como ambulante volte a ter um emprego. É uma situação muito complicada.



E de que forma funcionam as regras de trabalho em níveis internacionais?

As regras da competição internacional contemplam as duas coisas. Há países asiáticos que ganham competitividade graças ao trabalho decente e outros, também asiáticos, cujo trabalho não é decente. Não está claro para qual lado o Brasil vai. É o tipo de trabalho decente que dá mais valor adicionado. Os produtos que dão mais dinheiro são os que têm que ser feitos com trabalho inteligente. É basicamente um trabalho que não pode ser informal.


10/3/2008

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