O aedes aegypti e o vírus que ele carrega e causa a dengue não são suscetíveis de se curvarem diante de sentenças judiciais. Os pareceres do juristas e sua sapiência não são eficazes contra a peste. Esses seres inferiores, o inseto e o vírus, não se organizam em assembléias, não pagam impostos, não votam, não recebem instrução pública e desconhecem os magistrados, sua autoridade e seu poder coercitivo representado por policiais armados e presídios. Eles voam em sua liberdade existencial primitiva e só são combatidos pela eficácia das medidas profiláticas e pela preservação de um ambiente saudável. Essas coisas costumam faltar nas cidades, onde o inchaço parece violar a noção de que não existe estrutura ou organismo que possa crescer indefinidamente. A desorganização e deterioração de qualidade de vida da maioria das pessoas nas grandes cidades tem como coadjuvante a violência urbana, que parece não ter quem nela ponha cobro.
Diante da epidemia de dengue no Rio de Janeiro os governos municipal, estadual e federal trocaram acusações. Ninguém quer ser identificado ao mosquito e suas consequencias. O mosquito não reconhece a competência de cada esfera de governo. Ataca em todo Brasil e não tem o rótulo de federal, estadual ou municipal. O SUS transfere a responsabilidade da saúde para os municípios. Mas a chave do grande cofre recheado de recursos está em Brasília. E, como dizem que filho feio não tem pai, cada governante e seus apoiadores e aliados começaram a distribuir acusações que visavam, cada qual a seu tempo, todas as esferas de governo. As pestes costumam ser mundiais.
No Brasil fala-se em judicialização da Saúde, da Medicina, etc. Pessoas que se consideram prejudicadas em seus direitos de acesso à saúde, medicamentos, internações hospitalares, cirurgias, exames, costumam recorrer à Justiça para que se faça prevalecer aquilo que o legislador colocou na Constituição cidadão de 1988. A Saúde é direito de todos e dever do Estado. Não existem peias ou marcos que limitem esse mandamento da nossa carta magna. Então os magistrados cumprem a lei e os políticos, acostumados a tratar a saúde, em períodos não eleitorais nem eleitoreiros, como coisa de pouca monta ficam reclamando. Pela voz dos cargos de confiança que nomeiam para gerir, geralmente de forma ruim ou até desonesta, a Saúde do Povo.
A Sra. Regina Coeli Medeiros de Carvalho, que ascendeu ao cargo de Juíza Federal da décima oitava vara, no Rio de Janeiro, por meio de concurso público acumula, em razão disso muitos poderes. Pode tomar decisões monocráticas como a de multar o secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro em dez mil reais porque ele não garantiu o funcionamento dos postos de saúde da municipalidade durante a noite. Muitos destes postos ficam em áreas para cujo acesso é necessário transitar em ruas que duvido que a Meritíssima Regina Coeli ousasse andar desacompanhada durante a noite. E, por vezes, nem de carro. Corremos riscos porque as ruas são violentas e isso é público e notório. A Justiça Federal, os tribunais todos, os corpos policiais, os estabelecimentos penais, todo esse aparelho repressivo do Estado não consegue manter as ruas tranquilas. E isso nos dizem todos, amigos, conhecidos, funcionários públicos, vizinhos e pessoas que já foram vítimas de assaltos, agressões e estupros. Mas a Dra. Juíza entende que o Sr. secretário de saúde do Prefeito César Maia tem poderes para manter, com o reduzido número de médicos mal remunerados que dispõe, os postos funcionando vinte e quatro horas. Tudo bem. Ela pode tomar essa decisão monocrática e fazê-la valer até que o Secretário, Jacob Kligerman, apele. Por outro lado, o secretário, JUSTIÇA seja feita, não agiu de modo arbitrário nessa questão. Sentença da Justiça do Estado do Rio de Janeiro havia decidido anteriormente que, considerando as condições de fazer valer o direito de ir e vir com segurança e tranquilidade nas noites cariocas, os postos deveriam ficar fechados à noite. Quem vai entender? A Saúde foi municipalizada, a Justiça do Estado reconhece que a noite no Rio de Janeiro não oferece garantia para os trabalhadores dos postos de saúde e uma juíza federal vai multar o secretário municipal. E, aparentemente, ninguém está contra a lei. Só o secretário corre o risco de ter que desembolsar dez mil reais.
Por outro lado, a Décima Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro decidiu que Estado e município devem pagar os hospitais privados o valor das tabelas desses hospitais e não a minguada tabela do SUS, caso ocupem leitos neles para tratamento de pessoas com dengue. No mês passado o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro havia determinado que, na falta de leitos públicos disponíveis, os pacientes fossem encaminhados a hospitais privados, com a conta paga pelo Estado e Município. Só que pagos pela tabela do SUS. Mas essa tabela, elaborada em Brasília, faria muito mal para a saúde financeira dos hospitais. A dengue, por esse caminho, causaria dificuldades aos hospitais privados, adoeceria gravemente sua economia.
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